Gostamos de escrever e de pensar. Costumávamos trocar e-mails, mas decidimos expor nossas ideias a quem quer que queira vê-las, e assim surgiu o Abracabessa. Sem cedilha mesmo, porque tudo pode ser mudado - e mesmo que não seja para melhor, às vezes a mudança traz consequências fantásticas!

28 de fev. de 2010

CUIDANDO DE MIM - I
Minha avó foi “do lar”. Em termos. Lavava e costurava “para fora” além de cumprir as tarefas domésticas. Minha mãe foi levada pela pobreza...não, não, não, a pobreza não é assim gentil, vou refazer: minha mãe, chutada na bunda pela pobreza, foi trabalhar numa fábrica em Saúde, interior do interior de Alagoas, aos 13 anos de idade. Nunca mais parou de trabalhar “fora”. Obviamente não teve condições de estudar e abraçar uma profissão, que seria a de Assistente Social, conforme seu coração pedia.
Quando comecei os estudos já me perguntavam o que eu ia ser quando crescesse. Nunca ouvi a resposta “dona de casa”, nem de mim, nem das coleguinhas. Pois então, crescemos sabendo que íamos trabalhar “fora”. Fomos educadas a valorizar esse trabalho, o de “fora”, em detrimento do “de dentro”.
O trabalho doméstico, seja ele realizado por mim, por você ou por um profissional doméstico, é desvalorizado. Pior do que isso: é invisível.
O ator Caio Blat contou numa entrevista que quando decidiu morar sozinho não contratou empregada doméstica, nem pensou nisso. Todo dia colocava louça suja na pia e quando foi ao armário e não mais nada, notou a pia lotada! Ele disse que até então não sabia QUEM fazia AQUILO! Caio era um menino rico.
Uma conhecida minha estimulou bastante a mãe a sair de “dentro”, fazer faculdade e ir trabalhar “fora”. A mãe acatou a ideia, após muita insistência, mas apenas quando o ano letivo iniciou é que a filha percebeu que agora caberia a ela fazer o almoço, já que as aulas da mãe são pela manhã e as dela à tarde. Odiou a mudança! Ela não é uma menina rica.
São exemplos de como (não) é visto o trabalho doméstico. E penso como isso é nocivo na formação da pessoa, seja mulher ou homem. Por conta de uma herança cultural européia ainda da época chegada deles ao Brasil, não entendemos que os eletrodomésticos servem para facilitar a nossa vida, então equipamos a casa inteira e contratamos uma empregada para administrar tudo, para fazer o trabalho “de dentro”, o trabalho “sujo”, enquanto estamos vivendo o mundo lá “fora”.
Enquanto europeus e americanos lavam seus próprios pratos e levam o lixo para fora, nós empregamos pessoas e pagamos menos do que gastamos com as contas de luz + TV a cabo + Internet. Quando não é isso, fazemos gestões para ter sempre alguém (geralmente a mãe ou algum familiar desempregado) dentro de casa, fazendo o serviço que é odiado, desvalorizado, e – pior – invisível. Não precisamos copiar europeus e americanos, usei-os como exemplo apenas porque a maioria das invenções em eletrodomésticos vem deles, justamente para substituírem com a máquina o trabalho doméstico – enquanto nós usamos ainda uma pessoa.
Precisamos é ser solidários, precisamos entender que quem passa o dia inteiro limpando uma casa não se desenvolve como pessoa, não alcança sua plenitude como ser humano. Precisamos entender que isso não é justo.
O que seria realmente importante é que minha geração conseguisse se desapegar dessa ideia escravagista (fazendo muitas vezes, concomitantemente, o papel de feitor e escrava) e conseguisse DIVIDIR AS TAREFAS DOMÉSTICAS com todos os moradores da casa. Matemática simples: solidariedade + esforço = pouco trabalho para todos.
Esta é também uma luta feminista. Por direitos iguais. Chances iguais. Iguais responsabilidades. Azul misturado com vermelho em igual medida: lilás. Cor do feminismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário