Gostamos de escrever e de pensar. Costumávamos trocar e-mails, mas decidimos expor nossas ideias a quem quer que queira vê-las, e assim surgiu o Abracabessa. Sem cedilha mesmo, porque tudo pode ser mudado - e mesmo que não seja para melhor, às vezes a mudança traz consequências fantásticas!

22 de abr. de 2012

Da falta de criatividade dos lojistas ao discurso de gênero imposto na infância


(As opções de vela e a diferença de gênero. Futebol continua sendo coisa de homem)

Fiquei encarregada de fazer o bolo de aniversário de uma amiga querida. Como enxergo este item da festa como algo muito além do comestível, e sim uma espécie de símbolo de mudança de idade da aniversariante, minha vontade era fazer uma decoração bacana. Usar acessórios que a representassem, e também carregasse um pouco de nós, amigas, ali.

Já que jogamos futebol juntas, pensei que uma opção divertida e esteticamente interessante poderia ser o tema esportivo. “Uma boneca com roupa de jogadora, alguns apetrechos, vai ficar massa!”. Idealizei, comigo, achando que depois de definir o que eu buscava, todo o resto seria simples e rápido.

Minhas visitas aos pontos de venda de artigos infantis duraram cerca de uma semana. Toda a única semana disponível antes da comemoração. Maior que o tempo que gastei passando nas várias lojas, só mesmo a constatação que todas essas buscas me trouxeram: a minúscula referência que domina o mercado voltado ao público infantil.

Visitei casas de festas encantadoras. Dessas que vendem de vela de aniversário, a fantasias personalizadas para crianças e adultos. Sério, tudo o que você imaginasse, as lojas vendiam. Só não imagine uma boneca vestindo traje esportivo, ou miniaturas de ônibus e bola de futebol, por que aí você já quer demais.

Em alguns lugares, fiquei a vontade para andar e conhecer a loja inteira. Noutras, vendedor@s sorridentes vinham perguntar o que eu desejava logo na entrada. Para a maioria, quando eu dizia, no mesmo clima de simpatia, que buscava enfeites para bolo que lembrassem o esporte, e fossem femininos, o sorriso cedia espaço ao estranhamento. Boneca? Jogadora? “Oxi, nunca vi não”. “Ó, só tem vela de menino, ou então mascote de time”.

(itens esportivos, unicamente masculinos)

Foi então que saí da rota inicial – apenas casas de festas – e pensei em ir também às lojas de brinquedos. Achei que comprar uma boneca pequena e caracterizá-la, eu mesma, fosse ser mais fácil. Que nada! A dificuldade persistia. Em cada estabelecimento visitado, encontrei literalmente um “mar de rosas”. Por incrível que pareça, toda a variedade de tamanhos, cores e preços de bonecas postas à venda, resumem-se a loiras, magras, maquiadas, e de salto. Nem com toda boa vontade do mundo, uma boneca magrela, com cabelos e olhos claros, e pernas de Ana Hickmann, pareceriam com minha amiga, morena e baixinha. E olhe que minha criatividade estava em alta.

(toda a variedade de bonecas que se repetia em cada loja)

Olhando assim, o tempo gasto para procurar um brinquedo inexistente não foi a pior coisa. Preocupante mesmo foi constatar que as crianças de Maceió não são bem assistidas pelo mercado de brinquedos. Que, na ausência de pais educadores, crescerão com a mesma deficiência de percepção de alguns lojistas que conheci, achando que mulher só deve ser representada maquiada e de salto, como o protótipo da mulher extremamente vaidosa e dentro dos atuais padrões, excluindo a beleza de ser professora, esportista, advogada, morena, ruiva...

(as marcas mudam, as representações, não)
Quase como um abismo, na seção dos meninos, onde fui a procura de algo que representasse o futebol, achei bonecos grosseiros, monstros, insetos de plástico, armas, e demais produtos de entretenimento nada educativo. É o projeto do homem “não tem medo de nada”, valente, violento ou não, que deve estar preparado para tudo.

E quanto ao meu bolo? Foi produzido sim. Num improviso enorme, e com a montagem que eu mesma fiz. Consegui criar a boneca que não existia, e incrementar com acessórios que também obtive separados.


(Comprei a cabeça da boneca separada do corpo, numa dessas lojas de artesanato. Para o corpinho, comprei um chaveiro com camisa de time e adaptei. Com bolinhas de futebol, dessas para colocar em lembrancinhas de aniversário, consegui colocar o nome de todos os amigos. Atrás, a vela) 


28 de mar. de 2012

Culpa da mãe ou da sociedade?



Semana passada, foi veiculado no site da revista Época, uma matéria sobre um menino que nunca teve o cabelo cortado. Rean Carter, de acordo com a repórter, que por sua vez baseou-se no Daily Mail, estaria pedindo um corte de cabelo aos pais, desde que passou a ser confundido com uma menina nas ruas, e sofrido bullying na escola.

 
Rean estava sendo rejeitado pelos colegas, que não o queriam em brincadeiras como futebol, por dizer que ele se parecia com uma menina. Diante das situações incômodas, o garoto pediu que a mãe o levasse para um salão o mais rápido possível. O problema é que a mãe, que nunca cortou o cabelo do filho por admirar seus cachinhos, só de pensar no assunto, sente vontade de chorar.

É nesse viés que o texto da repórter se debruça, usando de suas próprias memórias infantis, o que as mães fazem com o visual dos filhos: “Quando pego minhas fotos aos cinco anos de idade, sempre pergunto para a minha mãe por que raios ela cortava meu cabelo daquele jeito”. Sob este aspecto, o texto é desenvolvido seguindo a ideia de que são as mães, as responsáveis pelas possíveis situações constrangedoras que o filho passa, sem se dar conta, uma vez que é cuidado por ela.

Enquanto via as fotos do garoto no Daily Mail, confesso que a fiquei imaginando vários cortes diferentes que melhor combinariam com ele, mas, impossível não questionar se de fato, é a mãe a grande culpada pelo desconforto da criança na escola. Será que o desejo de cortar o cabelo existia antes das confusões e rejeição dos colegas de sala? E, o mais arriscado ainda, será que é o mais aconselhável moldar-se para estar dentro dos padrões propostos por garotos de 5 ou 6 anos?

Não consigo enxergar diferença entre meninos que não deixam outro coleguinha jogar bola ou participar de outras brincadeiras entre eles por que ele parece com uma menina (e se fosse mesmo menina, não poderia jogar?), e os ignorantes que não toleram homossexuais, partindo para a pancadaria, só por se incomodarem com suas presenças.

Deixo bem claro que não quero dizer que o menino possa vir a se tornar um homossexual por causa do cabelo, mas, que a intolerância e a discriminação são as principais causas da violência. E o respeito pelas diferenças, deve sim, ser aprendido ainda na escola.