Gostamos de escrever e de pensar. Costumávamos trocar e-mails, mas decidimos expor nossas ideias a quem quer que queira vê-las, e assim surgiu o Abracabessa. Sem cedilha mesmo, porque tudo pode ser mudado - e mesmo que não seja para melhor, às vezes a mudança traz consequências fantásticas!

24 de mar. de 2010

Um dia sonhei com Isabela, alguns meses depois da tragédia. Sonhei que ia por uma rua e encontrava seu retrato numa sarjeta. Apanhei-o e, assim que o tive em minhas mãos, a imagem e o papel desfizeram-se... Acordei, pensei um pouco no sonho e levantei-me, dando início à rotina diária tomando o café da manhã para sair, acompanhando minha mulher ao ponto do ônibus, como fazia todos os dias.
Conversando, ficávamos esperando o transporte. Percebi, nesse dia, alguma coisa brilhante mergulhada numa poça d’água me chamando a atenção. Quando minha mulher se foi e eu voltava para casa, olhei o objeto que brilhava: era uma fotografia de uma menina mergulhada na sarjeta. Ao lado da foto tinha uma caixa de papelão abandonada e amassada, cheia de recortes de papéis e restos de fitas coloridas.
Meio sem jeito, por causa da quantidade de pessoas ao redor, apanhei a fotografia. Deixei escorrer e levei-a para casa, lavei-a e botei para secar. Não parava um só instante de pensar no sonho que tivera e no fato de ter encontrado aquele retrato, até que resolvi fazer um desenho em grafite sobre papel e desse desenho fiz esse poema, uma pequena homenagem a Isabela:



CACHOEIRAS E LUARES

Recolhi o teu sorriso na sarjeta
E o fiz correr aos cachos
Em cachoeiras de mares
E escadarias de luares

Resgatei os teus cabelos nus
Na umidez de uma alameda
E guardei-os no aconchego
Penumbral de uma gaveta

No escuro vi brilhar,
À luz do teu olhar de pingo d’água,
Silhuetas nas vidraças
De pouso de passarada,
Remo, leme, um cais,
Um pontilhão e uma barcaça...

Colhi as tuas mãos
Na aridez cínzea da rua
Lavei a tua tez
No gotejar tênue da pia
Toquei a claridade de uma manhã meio fria
Com lápis, borracha, algodão
Suspiros de maresia

A riscos de luz de sol,
Num papel de seda pura
Acendi em teu semblante
A iluminância da lua...

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