Gostamos de escrever e de pensar. Costumávamos trocar e-mails, mas decidimos expor nossas ideias a quem quer que queira vê-las, e assim surgiu o Abracabessa. Sem cedilha mesmo, porque tudo pode ser mudado - e mesmo que não seja para melhor, às vezes a mudança traz consequências fantásticas!

12 de out. de 2010

“São sempre as causas perdidas que mais emocionam”*

Flagrei-me pensando sobre a falta de controle que temos em relação a vida e aos rumos que ela pode tomar. Descobri que ando cada vez mais encantada com essa nossa inabilidade em comandar o futuro, que pode resultar em belissimos finais.

Charlie Chaplin atribuía esse poder ao tempo, considerando-lhe o melhor autor, por sempre escolher os finais perfeitos. Eu tenho cá minhas dúvidas. Acaso, tempo, destino... “Se a vida é mesmo um filme, por onde anda o diretor?” *

O que compreendo é que ausente ou não, ele consegue superar expectativas e trazer o impossível aos olhos – “nada é impossível” também começou a fazer sentido pra mim – esse meu último fim de semana é um bom exemplo. Mas antes, acho mais coeso contar como tudo levou a esse acontecimento.

Acredito que todo mundo tenha um conjunto de referências ou um grupo de pessoas ou coisas que admire. Num mundo engarrafado de informações, cores e sons, há sempre algo que nos chame a atenção. Pois bem. Comigo não foi diferente. Meu “encantamento” girava em torno do rock de 80 desde muito cedo. Com o tempo o filtro foi sendo passado, e algumas bandas, como a Engenheiros do Hawaii se firmaram como minhas favoritas. Por ser curiosa, quis saber tudo o que envolvia os seus representantes, e não demorei a virar fã (termo popular, que eu particularmente acho genérico) de Humberto Gessinger – criador, compositor, instrumentista e manda chuva da banda.


A imagem do cara tímido e taxado de arrogante por inabilidade no jogo social midiático era puro atrativo para a adolescente crítica e reservada. Logo, essas e outras qualidades me chamaram a atenção no moço. Do Gessinger eu procurei saber e entender o que estava ao meu alcance. Das influências musicais e o gosto literário ao modo de mexer a cabeça, olhando pro alto, enquanto canta uma música n’algum lugar do Brasil.

Foi por causa dele que eu comecei a achar lindo o sotaque gaúcho (mais especificamente de PoA), e por que eu quero conhecer o RS. Foi por causa dele que eu entrei em contato com alguns autores renomados, além dos próprios da área de jornalismo, e que eu simpatizo com o Grêmio. E foi justamente por sua ausência, que comecei a tentar construir uma imagem pra guardá-la comigo. Era quase um amigo imaginário. E eu passei um bom tempo o acompanhando de longe, já que sabia que era quase impossível Rio Grande do Sul e Nordeste se cruzarem por aí.

Eis que um dia começa-se a especulação na internet a respeito de um possível show do Pouca Vogal (atual projeto do Gessinger e do Leindecker) em Caruaru, após um longo período sem fazer shows no NE. Apesar da enorme euforia, o show se confirmou, aconteceu e eu não pude ir.



Pouco depois anunciaram um novo show, dessa vez em Recife. Era uma nova oportunidade que surgia. Será que dessa vez iria rolar? “Aposto como HG vai e volta e eu não saio da minha cidade”, anotei revoltadamente em meu caderno. E era assim que tudo caminhava. Pelo menos até o fim de semana que antecederia o do show. De repente, numa conversa informal lá em casa, os dois colegas de blog decidiram que iriam comigo a Recife para assistir ao show.


Acho que foi a partir daí que eu comecei a aceitar que a vida é mesmo inconstante e que a gente não tem lá muito domínio sobre ela. “Num piscar de olhos tudo se transforma. Ta vendo? Já passou...” *.

Começou-se então na internet a especulação em torno do pocket show ou da sessão de autógrafos. Um site confirmava. HG ainda não. Dias depois avisaram que não aconteceria, mas o produtor do evento tinha uma surpresa: estava sorteando entradas no camarim a partir de perguntas via twitter. Lembro como se fosse hoje. As panelas aqui de casa também. Foram TRÊS queimadas num único dia.

Embora tenha me empenhado ao máximo, não ganhei a promoção e mais uma vez fiquei abatida. Não acreditava que me desprenderia de Maceió até Recife, depois de um sufoco dos diabos, e não traria comigo nem uma lembrança mais “viva” do meu amigo querido... Me senti injustiçada, por ser tão “conhecedora” e “merecedora” daquilo, mas não poder entrar...

Por hora deixei a história de escanteio. O fim de semana estava começando e eu queria mais era aproveitar. Conhecer partes de Recife que ainda não tive oportunidade, e quando chegasse o horário do show, ir lá e matar minha sede de música de qualidade. E assim o dia passou, sem ansiedade, sem correria. A maior prova disso é que nem eu, nem meus companheiros de viagem lembravam a hora do show. Só viemos nos ligar a isso depois que anoiteceu, quando fomos nos arrumar.
O show estava previsto para começar às 21h. Conseguimos chegar lar às 20h20min, ainda não estava muito cheio. De longe avistei um grupinho de cinco meninas, mais afastado do resto do pessoal. Deviam ter ganho a promoção da internet. A agonia começou a tomar conta: queria muito poder fazer uma delas desaparecer e entrar em seu lugar. Como não era possível, muitissimo motivada por tio Paulinho e Patrícia, resolvi me aproximar, e utilizei a técnica do “não pode vencer o inimigo, junte-se a eles”. Tentei a todo custo entrosamento com as meninas, que só me davam patada.

Fiquei algum tempo junto com esse pequeno número de sortudos, até que apareceu uma moça da produção. Com uma lista na mão ela ia chamando as pessoas que teriam acesso livre ao camarim. Ela já ia dando os primeiros passos em direção a entrada, quando eu, no auge do desespero, tirava a única (e última) carta da manga: Moça! Chamei-a, segurando seu braço. Eu sou jornalista. Sou de Maceió. Do jornal Da Hora. Vim aqui pra tirar uma foto dos dois, pode ser? Ela me pediu crachá, mas é claro que eu não tinha. A saída foi ser insistente. Cada vez que ela me mandava esperar, eu dava um passo a frente, e no fim, quando já não havia mais o que dizer, repetir desesperadamente, ”por favor”. Para tudo, e insistentemente. No fim das contas acho que ela teve pena de mim e me deixou ficar. Quando menos espero, lá estava eu junto ao grupo, andando em fila indiana até a porta do camarim. Compartilhávamos todos da mesma ansiedade. A prova era que a maioria se deu as mãos (coincidência ou não, a maioria era primo, irmão ou namorado, e eu, pra variar, sozinha, só tinha mesmo a minha mão, para segurar a outra. Fingi de séria e segui).
(abastecimento alimentício do meu jornal, gente)

Jamais vou esquecer a sensação de estar na porta e ver pela primeira vez o cara que esteve comigo durante anos, mas nunca em sua forma física. Até hoje, nas milhões de descrições que fiz, à milhões de pessoas que vieram me perguntar como consegui tal façanha, jamais consegui descrever algo aproximado com o que senti. Sei apenas que foi intenso, bonito e memorável. E que eu tremia, e como tremia, enquanto abria um sorriso enorme, como se estivesse de fato, reencontrando, pela primeira vez, um velho amigo.

(Duca Leindecker)

Fui falar primeiro com o Duca, que estava mais próximo e por quem eu não tinha tanta intimidade com a carreira como quanto a do loiro ao seu lado. Eu já tremia daí, mas ainda não tinha realizado o sonho por completo. Abracei, falei algumas coisas à la Galvão Bueno (rápido como quem narra uma partida de futebol), e fui falar com o meu gaúcho favorito.

(Humberto Gessinger)

Uns segundos depois e lá estava eu, de frente com Humberto, que me deu a mão e riu, simpaticamente. Peguei em sua mão e me aproximei de seu rosto, dando-lhe dois beijinhos (aqueles que você dá educadamente quando encontra alguém conhecido), apesar de tudo, obviamente, não tínhamos intimidade para um abraço apertado. Falei pra ele o mesmo que tinha dito ao Duca, “obrigado por ter vindo ao nordeste...”, acrescentando a dificuldade em comparecer ao show, inclusive que tinha brigado com meu pai, que não queria me deixar ir. Ele riu e falou algo como: nossa! Tu vieste de lá mesmo? Tiramos uma foto, pedi pra ele autografar o pedaço de papel que eu tinha no bolso (valeu Patrícia, e não empresta aquela caneta a ninguém... Lembre-se: HG já pegou nela! :D) e saí, depois que ele me desejou “uma boa viagem de volta”.


Na saída, a moça da produção riu e reparou que eu tremia muito. Dei-lhe um abraço e agradeci, tirei foto também com ela. Foi apenas na saída que realmente caiu a ficha do que acabara de acontecer: eu estava diante da minha maior referência musical! E isso me causou uma emoção enorme. Se alguém aqui já assistiu Maria do Bairro e lembra da quantidade de vezes que ela chorou na novela, pode apostar que eu me aproximei disso, naquela noite. Só que não era um choro doído. Era um choro de alegria, de agradecimento por ter conseguido algo que eu enxergava no patamar mais alto, e era como se de repente alguém colocasse a mão, pra que eu pudesse apoiar os pés, subir e contemplar aquilo por alguns instantes. E senti a mesma vontade de chorar durante o show, enquanto ele cantava e me fazia lembrar da sua presença ainda marcante.



Estar junto com os “De Fé” (palavra carinhosa que faz menção à música, e que ele usa pra designar quem verdadeiramente acompanha o seu trabalho) que assim como eu, cantam e se empolgam com cada canção, é uma troca de energia imensa. Presenciar um show em que ele faz todos os trejeitos já decorados no DVD é sair de lá com a sensação de que a noite foi “completa” e que nada estava a dever. Desde o jeito como ele tocava a guitarra, deixando os cabelos loiros caídos pra frente, o modo como fecha os olhos e levanta a cabeça, girando-a para os lados, à mania de contar piadas não tão engraçadas, mas cheias de graça, enquanto faz sons com a gaita.

(HG de frente pro público)

E pra finalizar, um “Pra ser sincero”, com direito a participação de toda a platéia, onde as milhares de pessoas uniam-se numa só voz: como se estivessem todos entregues de corpo e alma, exatamente onde queriam estar, depois de tanto tempo sem a presença concreta em território nordestino.
Saí de Recife assim, nesse fim de semana. Com a certeza de que a vida é mesmo linda de se viver, os momentos, cada um mais preciosos que os outros, e que a gente não só pode se surpreender como deve se deixar surpreender pelos acontecimentos, aceitando que não tem mesmo o menor poder de escolher o futuro, e pra terminar com mais uma frase deste excelente músico, “o caminho se faz andando, sem ensaio e nem rascunho.” Talvez a gente só precise estar apaixonada por algo, fazer as coisas por amor, ainda que pelas causas perdidas, já que são elas, quase sempre, as mais emocionantes.



* são frases ditas por HG na noite do show do Pouca Vogal.

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