Gostamos de escrever e de pensar. Costumávamos trocar e-mails, mas decidimos expor nossas ideias a quem quer que queira vê-las, e assim surgiu o Abracabessa. Sem cedilha mesmo, porque tudo pode ser mudado - e mesmo que não seja para melhor, às vezes a mudança traz consequências fantásticas!

20 de ago. de 2011

Era uma vez um PIRATA bom...

Imagem: Zahar
O único jogo de computador que minha filha (3 anos incompletos) gosta é um onde a Chapeuzinho vermelho come tortas e sorvetes e bombons (a cara dela gostar disso rsrsrs) e precisa fugir do Lobo Mau. Na semana passada me surpreendi com sua nova ideia: 
- Deixa o Lobo Mau pegar ela, mamãe
- Não, se ele te pegar, o jogo acaba
- Eu quero que ele pegue, mamãe
Olhei para minha pequena e entendi que ela gostava do Lobo Mau e, sei lá, queria um abraço. Então deixei que a vida rolasse e ele foi lá e fez o que tinha que fazer: detonou a partida. Affff, foi triste a carinha de decepção que minha boneca fez diante do FIM e desde então, desolada, vive resmungando pelos cantos, toda contrariada "O Lobo Mau não pode pegar, não pega!". Então minha princezinha, aos 3 anos, aprendeu uma lição: alma sebosa não alisa!
E Almodóvar com isso? É que um dia desses comprei um filme, que meu marido e eu gostamos muito, e indicamos para um amigo dele.
- A Patrícia comprou um filme tão bom, assista...(lá ia eu levantando para pegar)
- Ah tá, precisa pegar não, eu compro, já deve ter na banca, né? Comprou aonde?
- Pela Internet...ela não compra pirata
A partir daí rolou aquele discurso veeeeeeelho, mofaaaado, esbagaçaaaaado sobre o percentual que cabe ao artista, sobre o roubo da indústria dos CDs e DVDs, sobre a pressão que o consumidor pode fazer e blá, blá, blá. A primeira vez que ouvi isso deve ter sido há mais de 15 anos e soava meio como discurso anarquista/revolucionário, sabe? Tipo "vamos mudar o mundo, protestar" e tals. Com o passar do tempo vi que era só uma forma de se dar bem mesmo, de fazer parte do grupo dos espertos. Atualmente, há CDs originais que custam 5,00 mas a pessoa nem sabe porque já vai direto nas banquinhas de "piratas" (o amigo do meu marido não, é limpinho, ele tem uma fornecedora de confiança eh eh eh). As pessoas não sentem nenhum constrangimento em comprar produtos piratas e ainda criticam às que fazem questão dos "originais" - eu, se não fosse cabeça-feita seria a maior vítima de bullying da paróquia quando o assunto é esse, pois a galera chega ser ofensiva e desrespeitosa. E olha que eu nem emito minha opinião, só digo, humilde, humilde "Cara, meu marido é artista, faço isso não, se quero o filme eu loco ou compro". Aí pronto, é o mesmo que dizer "Me botem placa de otária e me joguem na roda...agora: atirar pedras!!!!"
Tem também o lance de baixar na net. Filmes, imagens, músicas. Eu até ouço músicas na net, mas normalmente para conhecer o CD ou cantor e depois comprar (ou não) o trabalho. 
O que acho lamentável é que alguém consiga assistir ao VOLVER, de Almodóvar, com todas as cores e loucuras e genialidades dele, vendo Penélope Cruz linda e incrivelmente ótima atriz, ver os créditos (aliás, quem os vê?) e sinta-se à vontade em não contribuir para aquilo. Sinta-se bem em ter aquilo tudo por R$ 3,00 que são entregues a não-sei-quem-para-não-sei-quê enquanto os otários-que-dão-dinheiro-às-mega-empresas pagam R$ 30,00.
É claro que eu sei que nos R$ 30,00 que eu pago estão embutidos os milhares de R$ 3,00 de quem pirateia, é claro qu eu sei que pago pelos outros, mas juro que não pago mais para entrar no Paraíso nem para ser politicamente correta nem para olhar para minha filha e dormir bem. É bem mais simples. É porque é o certo. É o justo.
E, claro, devo ter aprendido, bem cedo, que alma sebosa não alisa!

Nota: futucando para postar esse blog, vi um trecho interessante duma entrevista do Lobão (no Roda Viva da TV Cultura) sobre baixar músicas em MP3 na net. Vejam aqui.

Patrícia Gomes

14 de ago. de 2011

Geração Amy Winehouse

- Texto que fiz há mais de 1 semana, e mesmo que um pouco atrasado (peço desculpas), gostaria de dividir com vocês.


Penso ser o símbolo desta geração, a vida e os trejeitos da cantora britânica encontrada morta em sua casa há algumas semanas. Não que com isso queira estender à toda a população o problema com álcool e drogas. Embora boa parcela dos jovens se enquadre neste infeliz caso, generalizar é exagero.

Falo em relação ao caráter instantâneo destes tempos. Como diz a música: “Num piscar de olhos, tudo se transforma. Ta vendo? Já passou”. É isso que me vem à mente ao recordar-me da rápida carreira da artista (utilizar o termo recordar para falar de algo que parou de existir há menos de um mês é bem prova disso).

Amy, de voz e talento incontestáveis, se foi tão depressa quanto apareceu. Apenas sete anos de carreira, que lhe renderam alguns discos, um casamento conturbado seguido de divórcio e agressões físicas e verbais, um novo namoro, apresentações desastrosas nos palcos, muitos fãs colecionados junto com doses e mais doses de bebidas e drogas para regar toda a história.

Sua vida, como bem regem os clichês da atualidade, foi guiada pelo “agora”. Preocupar-se com o futuro não era bem o principal interesse da cantora, que já afirmou, segundo os jornais, que passava bebendo o tempo em que outras pessoas costumavam gastar para planejar o futuro.

Viver como se não houvesse amanhã parece mesmo ser uma das maiores prioridades desta geração, impulsionada por uma cultura consumista proposta em cena para incentivar a busca pelo prazer e pela felicidade a qualquer custo, embora assumam sua fugacidade. Tudo parece passar muito rápido e o ideal mesmo é aproveitar, ainda que possam existir riscos. Às vezes tenho a sensação de que eles incentivem ainda mais as ações praticadas.

Ao mesmo tempo em que é tomada por uma quantidade exorbitante de cores, sons e informações, dando a sensação de que o tempo está passando cada vez mais depressa, e aquilo que foi moda ontem, hoje virou vintage, parece que a imparcialidade tomou conta de tais vidas ao ponto de o incômodo causado por uma existência insatisfatória seja maior do que a consciência do mal que substâncias como as que Amy consumia podem causar.

Assistimos diariamente a um grande número de pessoas tornarem-se escravas e cometerem crimes sem sentido em nome de mais um precioso momento sob efeito da droga desejada. E para isso vale tudo, até levar o próprio corpo à decadência.

Acredito que isso se deva também pelo fato de a juventude ter se afastado dos movimentos religiosos. Contudo, deixando claro que não busco fazer apologia a nenhum tipo de religião, nem apontá-las como o meio mais eficaz de controle dos vícios, mas apenas relembrar que muitas das ações praticadas pelas gerações passadas eram contidas pela Igreja, que disseminava aos fiéis o risco de estes estarem cometendo “pecados”. Pensamento que cada vez mais é abolido e contestado. Na falta de uma segurança espiritual, o apoio muitas vezes segue sendo buscado em livros de auto-ajuda, esoterismos e substâncias químicas.

Sete anos. O tempo em que uma criança ainda nem conseguiu se desenvolver totalmente transformou-se num espaço de tempo suficiente para uma artista conseguir ascensão e queda. Enquanto isso, sua inconseqüência e irresponsabilidade misturam-se a visões glamourizadas de uma rebeldia típica de estrelas do rock e campanhas tardias de prevenção.